Seja dono do seu silêncio para não se tornar escravo de suas palavras

David sobre a Odiosa Natureza Humana

David Neres

26 de abril de 2024

(Dou um gole na taça de vinho)

Se tem uma coisa que admiro demasiadamente nas mulheres portuguesas é que, no dia a dia, elas usam pouca ou nenhuma maquiagem. Quando recorrem a esse artifício, geralmente é quando vão em algum evento social de maior relevância ou a noite. Já no Brasil, é comum aquela epopeia facial mesmo para alguma terça-feira chuvosa e irrelevante.

Lembro de certa vez, ainda em terras tupiniquins, que vi uma guria que tinha tanta maquiagem que não sei ao certo se a responsável por aquilo foi uma maquiadora que “pesou a mão” ou se foi um mestre de obras de competência extraordinária. Sério. Fiquei pensando se aquele projeto arquitetônico obteve licitação da prefeitura e se estava com os impostos em dia.

(Dou outro gole de vinho)

Eu desavisadamente rindo antes do que estava por vir
Eu desavisadamente rindo antes do que estava por vir

O motivo para eu ter lembrado dessa guria é que ela era de fato muito bonita. Todas aquelas camadas de produtos de cores e tons variados estavam como que “sujando” a real beleza dela – era como ver uma linda foto em preto e branco pintada a cor de giz de cera por uma criança daltônica. “Ah, David. Todo homem fala isso, mas quando nos veem sem maquiagem, nos acham horríveis”. Errado duas vezes exceto se de fato você já é feia. Aí a maquiagem dá aquela amenizada na destruição que a seleção natural proporcionou ao teu semblante.

Agora, imagine eu falando isso em uma mesa onde eu era o único representante masculino. O restante eram mulheres que viam a maquiagem como um ritual de passagem absolutamente sagrado, cujo a discussão fora do “que tipo de maquiagem combina com o que” é basicamente como ler os mandamentos satânicos na frente de um cristão protestante ortodoxo. Foi ali que eu soube que nenhuma maquiagem no mundo é capaz de disfarçar uma cara de cú.

(Mais um gole)

Inimigo público número 1
Inimigo público número 1

Pronto. A “polícia de opiniões corretas sobre maquiagem” me enquadrou como um completo ignorante, um asno defecante que expressa impropérios isentos de qualquer senso sobre a mais alta virtude dos que pintam a face. Como se eu (como representante) não fosse, de maneira nenhuma, o objetivo fim daquele ritual. Pintar-se, na antropologia, tem um objetivo fim muito claro em todas as civilizações e culturas. Mesmo a exceção artística (me pintar de azul e usar cueca branca porque o vento está a este) é um objetivo.

Isso é tão óbvio que eu pensei que fosse necessário certo esforço mental para ignorar o fato tal como o esforço que você teria que fazer para ignorar o fato de que uma pedra jogada para cima uma hora iria cair. Errei. Existem pessoas que realmente não sabem o objetivo de se pintar, se vestir ou andar cheiroso (que é diferente de andar não fedendo).

(Derramei um pouco de vinho na camisa, tive que compensar com um gole mais carregado)

Nunca me importei com a ignorância alheia. Só me importo quando o fato de você pensar e expressar o que pensa te coloca automaticamente na caixinha do anticristo da Sephora. Sem porquês, sem questionamentos sobre o que me leva a pensar da maneira que eu pensei, já me atribuíram adjetivos que chegaram a “homem hetero branco que ativamente batalha para destruir todas as mulheres e dizimar toda a feminilidade do mundo moderno”. Sei que não é “um” adjetivo, mas quase chegou nisso mesmo.

(Rindo sozinho enquanto derrama o resto da garrafa na taça)

Como não me deram a oportunidade de me aprofundar na tese, calei-me aos risos. Óbvio que elas estavam a gozar-me (gosto do som dessa frase quando dita em Portugal. Sim, o vinho está o fazendo efeito desejado), mas é brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade. E, afinal, eu estava em menor número – espiral do silêncio é o nome desse fenômeno.

Thank you, alcohol!
Thank you, alcohol!

Não lembro quem disse que “se o que você vai dizer não somar ao que está sendo dito, é melhor não dizer”. Até gosto dessa frase, mas prefiro “seja dono do seu silêncio para não se tornar escravo de suas palavras”. O motivo é simples: é mais amplo e pode ser interno. Isso porque a gente geralmente ignora as coisas obvias, né? Inclusive ignoramos o que dizemos a nós mesmos.

Sabe quando você diz que só se sente linda quando usa maquiagem? Quando diz que não é capaz de fazer algo ou, como no caso supracitado, emite uma opinião que ninguém pediu? Pois é. Você deve arcar com as consequências disso.

Se você disser coisas negativas, isso lhe trará consequências negativas. Todavia, ao mesmo tempo, não existe melhor professor do que seu último erro. Apesar de falar de maneira jocosa sobre o estilo arquitetônico da maquiagem daquela bela “ragazza”, aprendi que dizer aquilo não somou nada àquela conversa. Se eu tivesse permanecido em silêncio, eu teria bebido (ainda) mais.

O que aprendi nessa história toda é que a matemática aqui pode ser muito simples. Se você incorporar aquela frase de “somar”, tente sempre dizer coisas positivas, sabe? Pois dessa forma você sofrerá as consequências das coisas boas que você expressa. Isso vale também para em relação a si mesmo, por exemplo, “também me sinto linda quando uso maquiagem” ou “ainda não sou capaz de fazer isso, mas serei” e por aí vai. Se for escravo do que diz, ao menos tente ser um escravo de algo virtuoso. Experimente. Vale a pena.

(Último gole)

Bomb has been planted!

Ouça agora!

Estamos nas principais plataformas. Não fique de fora e venha fazer parte da comunidade!

Listen on Spotify
Ouça no Overcast
Ouça no Overcast
Assista e ouça no YouTube